terça-feira, 7 de julho de 2009

Aula 07/07/2009 – Alfabetização em processo

Nessa aula, estudamos dois textos de Emília Ferreiro “Os problemas cognitivos envolvidos na construção da representação escrita da linguagem” e “A interpretação da escrita antes da leitura convencional”, cujo objetivo é ampliar o nosso conhecimento sobre os níveis de alfabetização que podemos encontrar no cotidiano.

Com base na teoria de Piaget e na indagação quanto à compreensão dos processos de passagem de um modo menor ao modo maior de conhecimento, a autora procura explicar como a criança desenvolve e constrói esse processo de leitura e escrita através de seus níveis de representação, possibilitando-nos interpretar mais adequadamente cada caso que apresente tais características na prática docente.

Mesmo que tais construções sejam “estranhas” à primeira vista, precisamos compreendê-las a fim de facilitar-nos o entendimento sobre as razões de tal substituição e originalidade que compõem esse processo. Embora sejam apresentados vários problemas cognitivos no texto, a autora se voltará somente às questões em relação o todo (palavras) e as partes (sílabas).

No primeiro momento, verificamos a existência de uma série dos modos de representação pré-alfabéticos da linguagem: no primeiro nível encontramos os modos de representação baseados na percepção da criança diante do som e da escrita que se formam; no segundo nível, os modos de representação silábicos, com e sem valor sonoro convencional; no terceiro nível, os modos silábico-alfabéticos e, por fim, o nível alfabético, que apresenta domínio sobre a escrita.

Para Ferreiro, existem quatro níveis de aquisição da escrita, são eles:
a) A hipótese pré-silábica – utilizada de maneira inconsciente, pois a criança não estabelece vínculo entre a fala e a escrita;
b) A hipótese silábica – quando supõe a escrita como representação da fala, porém não apresentam conexão entre as sílabas;
c) A hipótese silábico-alfabética – quando compreende a escrita como representação da fala, embora apresente sílabas desorganizadas na constituição da palavra;
d) A hipótese alfabética – quando há compreensão da escrita e conhece o valor sonoro de boa parte das letras, apresentando sílabas ordenas e palavras escritas corretamente.

Veja abaixo um quadro mais didático e explicativo sobre o assunto:









Com base na “lógica-interna” de cada modo de organização (2007, p.10), a criança inicia seu processo de alfabetização.

Através de exemplos como GATOS, citado pela autora, podemos identificar que a criança na fase inicial, embora ainda não tenha conhecimento das letras que formam a palavra gato, consegue associar momentaneamente que a figura mostrada (um desenho de três gatos) corresponde à quantidade de letras da palavra. Ou seja, uma relação embasada na representação analógica entre as partes e o todo (2007, p.12). Em contrapartida, há casos que as crianças estabelecem uma quantidade mínima de letras para expressar tal palavra.

Nos casos de palavras no plural, podemos observar duas representações diferenciadas, ainda que tenham o mesmo princípio: a primeira quando começam a escrita da palavra no plural e, a segunda, quando começam a escrita da palavra no singular. Ou seja, se de fato as crianças utilizam uma sequência de letras que corresponde a uma palavra no singular, o plural será correspondente ao número (no caso, de gatos) que lhe é pedido. Ao passo que, se a palavra for no plural, torna-se necessário apenas uma letra para representar o objeto, mesmo que não exista palavra com apenas uma única letra.

Uma outra tentativa estabelecida pela autora, tendo ainda como base a questão das partes e do todo, ocorre quando a criança citada entende que a palavra barco se escreve com três letras, já que com uma ou duas pronuncia-se somente “ba”. Ou seja, a criança percebe que a palavra ficará incompleta em sua pronúncia, porém não sabe quais letras devem ser usadas para completar a palavra.

Isso significa que, os dois casos acima, se tratam dos primeiros níveis de desenvolvimento da criança na obtenção do entendimento da escrita, representado pela fase da não-leitura; uma passagem, para muitos, considerada geradora de conflitos internos na criança devido à forma ilógica manifestada no primeiro momento.

Segundo Ferreiro, assim que a criança passa pelo processo de equilibração, ela começa a assimilar as informações recebidas, buscando gradativamente mais conhecimento para suprir a necessidade do seu saber. É claro que precisamos considerar a especificidade de cada criança e que esta maneira de pensar e compreender pode apresentar variações.

Conforme aumentam os questionamentos, a criança modifica sua “hipótese silábica” e vai adquirindo o controle da escrita e seu projeto de ação. De fato, percebemos que vai se complexificando o processo de desenvolvimento, pois o que antes era feito apenas através de correspondência quantitativa, agora passa a ser cobrado também a correspondência qualitativa. Isto é, o princípio de “variação interna” vai se emparelhando com o princípio da “quantidade mínima” (p.17). E por mais que auxiliem na diferenciação das partes, não se consegue constituir o todo.

Tal princípio de “variação interna” emprega-se em dois níveis diferenciados: o da escrita sem repetição e o do conjunto de escritas relacionadas. As crianças, ao perceberem que não podem ler coisas diferentes com séries idênticas, iniciam sua busca em relação à letra que pode concluir tal palavra. Como seu conhecimento é limitado nessa fase, poderão encontrar dificuldades na atividade, uma vez que já entendem que uma letra não pode representar à mesma sílaba. Ou seja, a simples troca de posição das letras que tem conhecimento facilita o seu entendimento na descoberta de outra palavra. Ex: Tais – ista – atis. Sendo assim, seu valor posicional determina a interpretação dada pela criança, já que resolvem utilizar “qualquer letra para qualquer sílaba” (p.19) como uma solução satisfatória na obtenção da escrita. Porém se a criança não conseguir compreender aquilo que faz, tampouco conseguirá compreender o que o outro faz ou a informação que vier a receber.

Nessa fase, como as informações se mostram mais perturbadoras, observamos que três tipos de reação podem ser geradas, segundo Piaget (1975): a primeira, quando a criança deixa de lado o fator que a faz questionar; a segunda, quando a compensa localmente e, a terceira, quando a assimila completamente. Vale ressaltar, nesse último nível que essa prática assimilativa demonstra o abandono da “hipótese silábica” e inicia o processo de reconstrução do sistema da escrita a partir do nível alfabético.

Já no segundo texto, “A interpretação da escrita antes da leitura convencional”, a autora salienta a pertinência da compreensão e interpretação dos processos de leitura antes mesmo da criança ser capaz de ler no sentido convencional do termo. Esse estudo para ela se divide em duas razões: a primeira, pressupõe aceitação dos processos de assimilação, uma vez que nenhuma aprendizagem começa do zero e, a segunda razão, por entender que o processo de leitura faz com que o leitor recorra aos recursos visuais e não-visuais para que se adquira uma interpretação mais significativa.

Isso não significa que podemos conceber esse processo de leitura como uma adição de interpretações visuais e não visuais. Muito pelo contrário. Devemos compreendê-lo como um processo de coordenação de informações provenientes de fontes diversificadas que no final obtém sua significação expressa linguisticamente.

Uma das primeiras elaborações da criança em relação ao significado de uma sequência de letras é que cada letra corresponde ao nome do objeto de forma impressa. Por este motivo, o significado do texto é intrínseco ao contexto. Para a autora, as crianças criam distinções ao interpretarem, uma vez que estabelecem na mente que “o que está realmente escrito” em um texto não é considerado “o que pode ser lido” no mesmo texto escrito (p.68). No exemplo exposto por ela, a criança de quatro ou cinco anos que observar uma figura, cujo conteúdo é um pato na água, acharão que as palavras “pato” e “água” fazem parte do texto escrito, porém não conseguirão associar e interpretar o que está sendo exposto. Ou seja, compreendem a imagem, mas não ainda o texto escrito. O que nos leva a entender que as primeiras interpretações da criança se mostram como conseqüência de duas condições: uma externa (o contexto) e outra interna (a idéia do que está escrito).

Nesse período longo de alfabetização, a criança passa por três etapas que contribuirão no entendimento da relação entre texto e contexto. São elas: a) o significado de um texto depende inteiramente do contexto; b) a relação entre texto e contexto quando estabelecidas poderá manter a mesma interpretação do texto apesar das mudanças do contexto; c) as propriedades do texto escrito são levadas em consideração.

Se exemplificarmos cada uma dessas etapas, saberemos que, a criança se encontrará no primeiro nível quando demonstrar conhecer uma figura, mas não o texto que está relacionado à imagem. Se colocarmos uma girafa, a criança dirá girafa. Se colocarmos a figura do leão e mantivermos o texto, ela dirá leão e assim sucessivamente, justamente porque se trata de um estágio cuja associação da criança é feita totalmente pela imagem. No segundo nível, quando a criança demonstrar que mesmo com a mudança do contexto, o texto permanece inalterado. Se apresentarmos a figura de uma girafa com um texto qualquer, a criança dirá girafa e, se mudarmos a figura, mas mantivermos o texto, ela dirá novamente girafa, devido à interpretação dada anteriormente quando associada à figura da girafa. Como tal correspondência equivale a um determinado intervalo de tempo, no dia seguinte, por exemplo, ao misturarmos os cartões, a palavra perderá o significado que a criança atribuiu anteriormente, justamente porque não há leitura, apenas associação por parte da criança. No terceiro e último nível, embora ainda exista uma dependência do contexto, o texto já começa a ser interpretado pela criança.

As primeiras propriedades da escrita que são levadas em consideração pelas crianças são as quantitativas, isto é, a quantidade de linhas, de segmentos escritos ou se letras dentro de um segmento. E como se trata de um desse processo evolutivo, muitas dúvidas serão esclarecidas ao longo dele sempre que forem propostos às crianças desafios acerca da escrita.

Portanto, diante de todas as análises apresentadas pela autora, foi possível notar a importância da leitura e da escrita em todos os níveis de aprendizagem das crianças e o quanto precisam ser analisadas para que tenhamos uma compreensão maior sobre cada modo de representação e sobre as diferentes lógicas por eles construídas. E, para que as futuras práticas sejam mais desafiadoras, torna-se necessário que adquiramos conhecimentos mais amplos sobre a diversidade de processos encontrados na prática, a fim de que não tenhamos uma visão limitada ou fragmentada do conhecimento.

Fonte dos níveis de escrita: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://4.bp.blogspot.com/_Ykbz6FwW0QY/SjVW29uRlKI/AAAAAAAAAwI/tZh818oNkM0/s400/022_alfabetiza_todo_dia00.jpg&imgrefurl=http://criancasminhasvidas.blogspot.com/2009/06/alfabetizacao-e-seus-niveis.html&usg=__F-kzUVlmWPNAlQfAgeYw8-kWtRk=&h=220&w=340&sz=8&hl=pt-BR&start=18&um=1&tbnid=f_HLzHJSjMVLqM:&tbnh=77&tbnw=119&prev=/images%3Fq%3Dn%25C3%25ADveis%2Balfabetiza%25C3%25A7%25C3%25A3o%26hl%3Dpt-BR%26um%3D1

Um comentário:

  1. Excelente síntese do texto! A ilustração por meio do quadro didático apresenta uma forma mais simples de compreender, na prática, como identificar os níveis em que se encontram as crianças.

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